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Apaixonadiços

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Fábula



No tempo colonial:
O menino gordo comprou um balão
e assoprou com força o balão amarelo
assoprou o balão inchou e rebentou
os meninos magros apanharam os restos
e fizeram balõezinhos!
                      (José Craveirinha)

Depois da independência:
O menino gordo roubou o balão
dos meninos magros.
O menino gordo enganou
os meninos magros roubando-lhes o balão!
O menino gordo enganou e roubou
Enganou …Enganou…
Roubou…Roubou…
E os meninos magros eram cegos!
Eram cegos: foram enganados e assopraram o balão!
Assopraram…assopraram…e o balão inchou, inchou!
Inchou, inchou mas nunca rebentou o balão amarelo!
Assopraram desesperadamente
Para que rebentasse e apanhassem os restos,
e deles fazerem balõezinhos…
Mas o balão amarelo não rebentou!
Até hoje continuam assoprando, assoprando…
E o balão continua inchando, inchando, inchando…
Afinal não é balão! É barriga de alguém que nunca sacia!

                                      (Hermenegildo Mondlane)

domingo, 7 de maio de 2017

Consultas de sabedoria ao meu avô!



Parte I
O inverno chegou às pressas. O frio faz-nos tiritar e os dentes rangem às ordens da cacimba. Quando o sol se esconde pelas montanhas, nada é melhor do que aconchegar-me às loucas loucuras do meu avô. Ele, de tanto ser velho, diz possuir o conhecimento sobre a vida. Talvez seja por isso que a vida lhe premeia com a própria vida. É um velhote bastante divertido, mas ingênuo. Não é aquele tipo de velho a quem se pode considerar biblioteca viva, não. Mas sim um jazigo virgem do qual se podem explorar as mais preciosíssimas pedrinhas de conhecimento. À guisa de exemplo, semana passada ele zombou de mim. Veja a conversa toda:
- Vô, o senhor viveu a colonização. Explique-me como se deixaram dominar por gente estranha, branca, fragilizada por não estar em sua terra. Eram tão tapados a ponto de serem dominados por um grupinho que cabia em pequenos barcos?! Nós não aceitaríamos isso.
- Não te vou responder. Antes dá-me rapé. A minha idade já está mais velha que sem rapé o meu cérebro não divaga. Sou um calhambeque que precisa de um empurrão para funcionar.
- Está bem vovô! Volto já.
- Alto lá! Vai correndo, mas antes pensa nisto. Nós aceitamos a colonização porque fomos enganados. Fomos mais hospitaleiros do que hospedeiros. Recebemo-los não só de peito, mas também de braços e mãos abertos. Demos-lhes abrigo, água e comida. Nunca tínhamos sido colonizados. Foi a primeira vez que isso nos aconteceu. Não éramos escolarizados, mas também não éramos analfabetos. Nada sabíamos das más intenções deles. Tudo foi estranho. Tentaram a todo o custo transformar-nos em portugueses negros. Forçaram-nos a beber da cultura deles, a falar a língua deles. Mas resistimos com muita veemência. Não permitimos que a nossa língua morresse. É por isso que vós a tende como herança. Não incineramos a nossa tradição. As nossas crenças sobreviveram. Cá tiraram apenas alguns bocados de ouro e marfim, mas na nossa falta de escolaridade preservamos a maior riqueza para que vós desfrutásseis dela.
- Mas avô…!
- Ainda não terminei. Hoje vós sabeis de tudo, meu Muzaia! Vós sabeis do preço da colonização. Sabeis sobejamente que o branco visita a África com a intenção de delapidar tudo o que vos deixamos. Vós tendes Universidades onde aprendeis tudo sobre a África e sobre o Ocidente. Mas sois mais analfabetos escolarizados ou analfabetos funcionais do que os inescolarizados que éramos. Vós não sabeis desfrutar da herança. Hoje mantendes negócios estranhos com o Ocidente. Vendeis todos os jazigos em troca da dignidade do povo. Estais conscientes do perigo que vos traz a cooperação com o branco mas não tendes escrúpulos.
- Vô, deixa de vós, vós, porque os verbos são difíceis de entende… malta tendes, sois, mantendes, sabeis, isso é complicado. Usa vocês ou você.
- Valha-me Deus, tu estás no Liceu, digo, na Universidade e não dominas a gramática?! Bolas pa! Bolas pa. O que andas aprendendo oh cachopo. Não conheces a língua!? Vocês estão a passar pela pior colonização. Hoje não mais há chicote e chibatadas. Não mais há trabalho forçado. Mas o trabalho é mal remunerado. Nós fomos única e simplesmente colonizados por um opressor, o português. Vocês, então, estão às ordens do branco que vos aplica uma colonização ideológica. Mas um segundo colonizador é o preto conterrâneo vosso. Olha lá, existe um jovem cantor que me traz uma máxima de se dar vênia. Ele diz “expulsamos o colono mas nunca o colonialismo” (Azagaia). Mas nós expurgamos o colono e o colonialismo. Vocês foram requisitá-la novamente. E hoje, ora vos cria cócegas, ora comichão. Esse pseudo-libertador hipotecou o pouco de liberdade que lhes restava. Na nossa ignorância, tivemos uma escolha. Lutamos pela mudança. E conseguimos. Agora vocês não sabem se querem mudar ou não. Se o colonizador tivesse encontrado a vocês naquele tempo, até hoje haveria escravatura. Alguém apelidou-lhes de Geração da Viragem. Vocês não são nenhuma geração. Uma geração é guiada por objectivos, princípios, propósitos e problemas comuns. E vocês não têm nada disso. São sim um problema comum. Vocês são o maior problema da nação. Voluntariamente pontapearam a nossa língua, a nossa cultura, a nossa história e a maior herança ancestral que são os valores que nos identificam como um povo uno e único. Vocês destruíram tudo por causa da ambição de serem pequenos burgueses negros. Que pena, Muzaia. Vocês são a maior perdição do nosso país. Vai correndo e traz-me o rapé!
- Volto já vovô! Ainda não terminamos a conversa. Até porque vocês foram dominados também pela igreja. Mal ouviram falar de Deus passaram a viver de evangelho. Mas já vamos falar sobre isso. Fuii….