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Apaixonadiços

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Obrigada, mãe!



Depois de oito anos desaparecida de casa, decidi juntar letras neste papel virgem e enxugar minhas lágrimas escrevendo-te, mãe, para te informar sobre o meu paradeiro. Estou por aqui, bem perto do meu destino. Sou agora enteada da amargura que me causaste ao acabares com a vida do meu pai. Acabou-se o meu pai. Acabaram-se os sonhos. Acabou a confidencialidade.
Mãe, o tamanho de saudades que tenho por ti é enorme, mas proporcional à raiva que nutro por ti. Não é para menos, mãe. Tu trouxeste-me ao mundo. De ti suguei o leite vital, depois de nove meses de encubação no teu ventre. Conheço melhor as tuas costas que explicaria as tuas roupas cada uma das ondulações do teu corpo. Conheço-as porque durante os meus dezoito meses sempre me levaste ao colo. Que saudades sinto do seu colinho, mãe! Saudades daquelas lindas canções que entoavas para me embalar. Mãe, tens uma estupenda e dulcíssima voz. Ainda soa nos meus ouvidos aquela canção que me acompanhava às refeições. Aquela também que me encubava para dormitar. Ainda sinto saudades do sono nascido dessas canções.
Mãe, eu conheço também as suas preferências pelos lugares de lazer. Não te esqueças, mãe, que sempre me levaste contigo à casa da tia Sara, onde desabafavas sempre que o papá se demorasse a voltar do serviço. É lá onde sempre reclamavas que ele chegava tarde a casa porque estaria a beber com os amigos. Conheço a tia Sara. Aquela senhora gorda, chata e que se separou do marido só porque numa dessas vezes chegou a casa com marcas de batôn na camiseta. Ela não acreditou que nos my love ninguém é casado. Nos my love as pessoas apertam-se porque o chapeiro precisa de carregar mais do que a capacidade do carro. A tia Sara não tinha filhos em casa. Todos eles fugiram de casa e viviam na rua porque não suportavam a porrada da mãe por tudo e por nada. É essa a tua grande confidente. Até sinto saudades das vossas gargalhadas quando bisbilhotavam sobre as mulheres que perderam seus maridos para as empregadas. Achavam-nas tolas e fracas. E que não tinham capacidade de segurar os próprios maridos. Mas a tia Sara também não soube segurar o marido.
Ah, mãe! Lembrei-mo do tio Djuma. Sim, o tio Djuma. Aquele que sempre nos levava à praia quando o papá estivesse a trabalhar nas províncias. O tio Djuma sempre se irritava quando o papa telefonasse e tu dizias: amor, estou na praia com a menina e umas amigas, estamos a nos divertir muito mas sentimos a tua falta para completar a família. Tio Djuma sempre fazia uma cara feia quando a mamã levava tempo falando com meu papi soberano. Depois da praia me deixavam nos pula-pulas e sumiam e depois voltavam com chocolates para mim. Lembro-me tão bem da minha obediência, mãe. Eu obedecia tão bem às tuas recomendações. Eu não contava nada ao papai. Eu não contei a papai que aquele telemóvel Note 3 não foi nenhum presente da tia Sara. Não revelei que foi o tio Djuma que te deu. Não contei que a cicatriz que tinhas na cara foi por causa da briga que tiveste com a dona Ju, esposa do senhor Maposse, aquele que te ofereceu o colar de ouro que trazias na minha festa de aniversário. Fui teu caixote de segredinhos. Fui uma óptima confidente. Obrigado, mãe pelos passeios, pela diversão e pelo tio Djuma que me oferecia chocolates e bon-bons.
Mãe, quero o meu pai. Sinto nojo de ti porque acabaste com meu pai. Tu nunca imaginaste que os chocolates do Djuma e os presentinhos do Maposse nunca significaram nada para mim. Nunca significaram nada porque os beijinhos e abraços do meu pai eram muito mais valiosos do que qualquer cintilâncias vinda dos teus amigos. Nunca imaginaste a ternura do calor que me dava aquele abraço de cansaço do meu pai. O meu pai não me levava ao circo mas ele era um verdadeiro circo para mim. Não sabes, mãe, que enquanto ralhavas com a empregada para que ela preparasse água para o banho, o meu pai ensinava-me a desenhar e a pintar bonecos. Ele ensinava-me a juntar letras e sílabas para compor o meu nome.
Mãe, sabias que me ensino a escrever o seu nome não foi Djuma, como sempre ficaste a pensar. Eu enganei-te. Afinal aprendi tão bem de ti. Aprendi a enganar. Então enganei-te. Meu pai foi também meu professor de escrita. Meu pai foi meu verdadeiro confidente. Apagaste-o com aquela frigideira de óleo. E tu pensaste que apagaste apenas uma vida. Não, mãe. Apagaste um rio de memórias. Apagaste as minhas promessas de ser uma advogada e defender os homens injustiçados. Apagaste o meu ex-futuro cliente. É que eu queria defendê-lo primeiro. Apagaste, mãe, as promessas de me tornar a madrinha do meu próprio pai. É que eu havia prometido ser a conselheira dele para saber lidar com mulheres desempregadas e desocupadas. Não imaginas, mãe, que levaste ao cemitério o meu pai faltando uma lição muito importante. Naquela noite, havíamos marcado uma lição sobre aquela adição em que 1+1 seria igual a 1. Eu aprendi que 1+1=2. Mas o papá havia prometido explicar quando é isso dá 1. Infelizmente não mais pude aprender. Talvez seja por falta desse conhecimento que sempre foste adicionando mais homens na tua vida. A única lição que meu pai completou foi a da humildade. Essa devia ser uma lição compartilhada também por ti. Infelizmente tu não és nada humilde. O maior erro que cometi foi enganar-te, mãe. Eu também te enganei. O meu pai soube de tudo o que fazias. Ele soube do Djuma, do Maposse e dos chocolates. Ele soube de tudo isso porque na verdade eu fui uma mercenária. Fui fiel a quem mais me pagava. E os abraços, os beijinhos, o carinho do meu pai, as brincadeiras de pai e filha, sabiam-me mais do que qualquer chocolate recebido em troca da dignidade da minha mãe. Os abraços do meu pai não eram negócio. Não os recebia em troca de nada. Ele mos dava em troca da minha felicidade. Os pula-pulas do Djuma eram recebidos em troca da sua***. Os presentinhos do Maposse valiam a desonra do meu pai. Então o meu pai merecia a minha confiança. Ele soube de tudo mas não manifestou, sabes por quê? Porque ele sempre me ensinava a ponderar, pacientar e deixar que o tempo resolva tudo. O tempo resolveu a vida de meu pai. Ele perdeu o tempo com a vida e a vida com o tempo.
Hoje cá estou, mãe. Sou uma cópia mal feita do meu pai. E uma impressão a cores da tua vida. Escrevo-te tremendo e com as letras entortadas. Não foi esta caligrafia que meu pai me ensinou. Não consigo escrever tão bem porque os meus braços estão sangrando. Fui espancada, mãe. É que depois de abandonar a casa, aprendi muitas coisas boas e más. Já deves imaginar que tenho idade para conhecer homens. Já os conheço. Mas eles não me conhecem. Eu também adiciono homens. Já adicionei tantos que também acabei adicionada também.
Conheço a dor de sonhar ser a número um e terminar sem ser nenhum número. Não suportei as traições do meu namorado e decidi adquirir uma frigideira. Comprei a frigideira, o óleo mas faltou-me o último ingrediente. Faltou-me a astúcia. Eu não consegui depenar o homem que me adiciona num festival de namoricos. Faltou-me coragem. Afinal a coragem é um medo disfarçado. Nem medo nem coragem, apenas fraqueza. Afinal de contas as minhas rivais surpreenderam-me ainda planeando o assalto final. Elas é que me espancaram brutalmente, mãe. Escrevo-te a partir do Hospital. Apenas para agradecer pelas lições de vida. Onde quer que estejas, aprende que 1+1 nem sempre é igual a 2. Se entenderes essa matemática, não mais haverá filhas a perderem lições. Saberás que os chocolates não valem mais que o carinho de um pai. Vais aprender a valorizar o coração no qual plantaste amor. 

6 comentários:

  1. Não há vezes que leio e não me emociono. Mais uma vez, parabéns.
    Espero, poder pôr em prática a adição igualada a unidade por toda a minha vida.

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  2. Wauuuuuu k emocionante adorei ler essa historio xpero ler mais historias lindas quanto essas

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