Publicação em destaque

Apaixonadiços

sábado, 24 de dezembro de 2016

A Tradição Oral em “Tróia”



Considerações iniciais

A tradição oral é uma das formas mais remotas de vida do Homem. Todas as comunidades têm as suas raízes na tradição oral, tendo posteriormente evoluído para a escrita, todavia, os valores desta tradição ainda se fazem sentir na produção escrita contemporânea. Com o presente ensaio, buscamos analisar os valores da tradição oral no filme “Troia”. Especificamente, identificamos as marcas da tradição oral manifestos de diversas formas no filme; explicamos em que consiste cada marca e que função desempenha e, por fim, inferimos o estado dessa marca na actualidade.
Dentre várias manifestações da tradição oral, destacam-se os mitos que perfazem o filme, os provérbios de que os guerreiros e os reis se socorrem para impor suas visões e convicções, as crenças dos povos envolvidos na guerra bem como os rituais por si cumpridos.

Concepção e natureza da tradição oral

No último século, a discussão acerca da oralidade obteve um desenvolvimento significativo. Tradição oral ou conhecimento oral é a cultura material e tradição transmitida oralmente de uma geração para outra. As mensagens ou testemunhos são verbalmente transmitidas em discurso ou canção e podem tomar a forma, por exemplo, de contos, provérbios, baladas, canções ou cânticos. Desta forma, é possível que uma sociedade possa transmitir a história oral, literatura oral, a lei oral, e outros saberes entre as gerações, sem um sistema de escrita.
Uma sociedade oral reconhece a fala não apenas como um meio de comunicação diária, mas também como um meio de preservação da sabedoria dos ancestrais, venerada no que poderíamos chamar elocuções-chave, isto é, a tradição oral (ARAÚJO, 2010:15). Em conformidade com este autor, a tradição oral pode ser definida como um testemunho transmitido verbalmente de uma geração para outra. Desta forma, pode-se afirmar que a tradição oral compõe-se de testemunhos transmitidos oralmente de geração em geração. O verbalismo é a sua característica particular e maneira de transmissão, o qual difere das fontes escritas.
HAMPATE (2010:182) afirma que a partir da tradição oral definiram-se regras, ideologias, costumes, a história, os valores da diversidade dos grupos locais. ROSÁRIO apud ARAÚJO (2010:18) atesta que a tradição oral é o veículo fundamental de todos os valores, quer educacionais, quer sociais, quer político-religosos, quer económicos, quer culturais, as narrativas são a mais importante engrenagem na transmissão desses valores.
ELÍADE argumenta que, empiricamente, as populações onde todas essas narrativas coexistem, estabelecem a sua distinção considerando os mitos e lendas como histórias verdadeiras e os contos como histórias fictícias. Assim, seriam verdadeiras todas as narrativas ligadas à origem do mundo, sendo os seus heróis, seres sobrenaturais, seres divinos.
Para elucidar este facto, na primeira batalha entre o exército troiano, comandado por Heitor o grego comandado por Aquiles, Heitor anuncia um código que lhe comanda a vida toda: honrar aos deuses, amar a esposa e defender o país. Troia é a mãe de todos nós. Lutem por ela. Este código é guardado na memória do Heitor, este, por sua vez, transmite-o aos seus guerreiros de forma oral.
A maior guerra entre Grécia e Troia que é retratada pelo filme tem a sua origem no amor, poder, honra e glória. Menelau vai para a guerra por amor à Helena que lhe foi arrancada por Páris, o príncipe de troia. Agamémnon vai para a guerra por causa do poder, pois, ele pretendia conquistar a Troia passando a ser parte da Grécia e que estivesse sob seu controlo, como refere Agamémnon no encontro com o príncipe Heitor: tenho dois desejos, se os realizar, ninguém mais do seu povo precisa morrer: primeiro precisa devolver Helena para o meu irmão. Segundo: Troia deve-se submeter ao meu comando para lutar por mim quando eu chamar. Depois da proposta do duelo entre Menelau e Páris, recusado por Agamémnon, Menelau pediu ao irmão que o deixasse matar o “pavãozinho”, todavia Agamémnon replica: não vim aqui por causa da sua bela esposa. Vim aqui por causa de Troia (poder). Com efeito, Menelau insistiu, confirmando que fora a Troia por causa da honra dele (vingar o sequestro da esposa). Esta contradição em relação à motivação para a guerra contra a Troia prevalece até aos dias hodiernos, porquanto esta guerra parece mais um mito e não se tem a certeza de ter havido na realidade ou simples criação epopeica do povo grego.
Entretanto, Aquiles vai a guerra por uma questão de honra e glória, porquanto a participação dele na guerra o tornaria num guerreiro honrado e lembrado eternamente em todo o mundo. Desta forma, tomando em consideração o facto de coexistirem no filme várias marcas da tradição oral, julgamos importante trazer algumas delas, como a seguir apresentamos.

O sino e a trombeta como instrumentos de comunicação

Na tradição dos povos, os sinos comunicam acontecimentos importantes aos membros de Comunidades. A raiz da palavra sino provém do latim signu (sinal). Sinaliza e convoca para o culto, para a adoração e para a gratidão por causa da graça de Deus. O som do sino penetra profundamente nos ouvidos. Atinge a alma das pessoas. Por isso, não conseguimos ficar indiferentes ao repicar sonoro do sino. No decorrer da história, o sino servia como “mensageiro” da guerra, da paz, de boas e más notícias. Em algumas aldeias assinalavam as horas no tempo em que não havia relógios.
Em «Troia» o sino é usado para comunicar e/ou alertar ao império sobre a invasão das suas terras pelo inimigo. Com efeito, quando os espartanos se instalam na praia, os vigias tocam no sino para que todo o império fique informado e colocar o exército em prontidão para defender as suas terras. E, com este alerta, já conhecido pelos troianos, o exército preparou-se para defender as muralhas do seu território.
A trombeta é um instrumento musical de vento e um membro da família do metal. É um instrumento que, por seu poder e som brilhante se destaca em uma orquestra e é instrumento de vento conhecido em todo o mundo. As trombetas são conhecidas desde os tempos antigos na Grécia e Roma. Enquanto os troianos usavam o sino para anunciar a invasão pelos inimigo e a necessidade de se ir à batalha, os gregos, fixados na praia troiana, usavam trombeta para despertar os guerreiros para o combate. Em conclusão, tanto os gregos como os troianos buscaram no sino e na trombeta instrumentos de comunicação ou “mensageiros” da guerra e/ou invasão pelos inimigos. Estes dois instrumentos são indicadores da tradição oral. Nos dias que correm, o sino e a trombeta continuam sendo usadas como mensageiros de festas, cultos religiosos, mortes, etc..

A mitologia em “Troia”

Segundo MARTINEZ (1997:135) a palavra Mito deriva de mythos com significado de palavra ou afirmação. Os mitos tentam explicar costumes e rituais de uma determinada sociedade, além de fornecer explicações, justificam o modo de vida, a forma de entender a realidade e de saber sobre o início da humanidade, (ARAÚJO, 2010:28). Para tanto, durante muito tempo, os povos serviram-se de mitos para explicar o seu modus vivendi e legitimar algumas crenças e rituais. Para elucidar este facto, a partir da guerra entre gregos e troianos, surge uma expressão e/ou fraseologia bastante conhecida: agradar a gregos e troianos que significa o desejo em agradar todo mundo, mesmo aos grupos ou pessoas com ideias divergentes. Esta fraseologia foi sendo transmitida de geração em geração tendo percorrido vários séculos até à actualidade.
Na mesma linha de pensamento, FRAZER apud ABBAGNANO (1982:645) afirma que o Mito é justificação retrospectiva dos elementos fundamentais que constituem a cultura de um grupo, por isso, ela não é narrativa qualquer que tenha talvez uma forma de ciência, um ramo de arte ou de história, é sim uma história explicativa. ELIADE (1978:11) corroborando com FRAZER refere que o Mito é uma história sagrada que relata acontecimentos ocorridos no tempo primordial. Assim, o filme “Troia” congrega uma vastidão de mitos ligados à Grécia, desde o mito do guerreiro imortal e indestrutível, que é Aquiles; o mito do cavalo de troia, construção enganosa criada pelos gregos para lhes permitir a entrada, de uma forma disfarçada, à Troia; bem como o mito da mulher mais linda da Grécia que teria motivado a realização desta grande guerra entre os dois reinos; e, por fim, o mito da espada da troia, instrumento de guerra que foi passando de rei em rei de Troia até a Páris.
O mito é o espelhamento discursivo que reflete/refrata o imaginário e a ideologia de um povo. Com isto, pretende-se esclarecer que toda realidade é atravessada pela linguagem que, num movimento simultâneo, transparece e opacifica essa mesma realidade. Sendo, por sua vez, uma forma discursiva que possibilita compreender o complexo cultural, histórico e cognitivo de um povo, o mito medra no território da ideologia (BORGES, 2013:25).
Nesta ordem de ideia, ROCHA (1985) acrescenta que o mito é, pois, capaz de revelar o pensamento de uma sociedade, a sua concepção da existência e das relações que os homens devem manter entre si e com o mundo que os cerca. Deste modo, o mito insere-se numa formação discursiva determinada que, por sua vez, o remete a uma formação ideológica, cuja historicidade se materializa na prática discursiva dos povos “míticos”. Em suma, o mito se realiza como um discurso sobre o real e como a territorialização do real (BORGES, 2013:26).
Por essa razão, BORGES (2013:27) defende que é no e pelo mito que essas sociedades se instituem, uma vez que a narrativa mítica se apresenta como a explicação de seu próprio existir e da existência do mundo. Ao mesmo tempo, por meio do mito, é possível analisar o modo peculiar como as sociedades de tradição oral recortam, tipificam, explicam e compreendem o seu universo, bem como o modo pelo qual representam as relações que aí são estabelecidas. Desta forma, passamos a apresentar alguns dos mitos que perfazem o filem “Troia”.

O Mito de Aquiles, um guerreiro indestrutível

Aquiles era filho de Peleu, rei de Ftia, na Tessália, e Tétis. Reza a mitologia grega que, para torná-lo imortal, sua mãe o cobriu com ambrosia, mantendo-o sobre o fogo, depois o mergulhou no rio Estige, cujas águas tornaram Aquiles invulnerável. Entretanto, ao submergi-lo no rio, a mãe segurou o bebê pelo calcanhar, por esse motivo, essa parte de seu corpo se manteve vulnerável. Ainda criança, Tétis confiou a educação do filho a Fênix, que o ensinou a manejar armas e a lutar. Depois, o centauro Quirão foi o responsável pela educação do jovem herói. Quirão alimentava Aquiles com as entranhas de leões e javalis, assim, o jovem incorporava a força e a valentia destes animais.
A bravura e coragem de Aquiles tornaram-no um mito para o povo grego, não se sabendo se na verdade terá existido como um guerreiro imortal ou não. A primeira batalha em que Aquiles defronta um gigante tessálio a convite de Agamémnon, a criança enviada pelo rei para chamar Aquiles, mostra-se espantada pela coragem e bravura deste, questionando: as histórias sobre você são reais? Dizem que sua mãe é uma deusa imortal! Dizem que não pode ser morto! Em resposta, Aquiles retruque: então eu não usaria escudo. Entretanto, o menino replica: o tessálio com quem vais lutar é o maior homem que já vi, eu não lutaria com ele. Aquiles responde por isso que seu nome não será lembrado.
Como se pode notar, a transmissão da informação de geração em geração tem a sua marca nas afirmações do menino ao questionar usando o Sujeito Indeterminado “dizem que…” marca do apagamento do enunciador e, assim se distinguem as narrativas da tradição oral. Não há menção do autor das histórias sobre Aquiles, pois, o que nos remete à origem popular.
Aquiles foi um grande guerreiro mas tinha o seu “ponto fraco” que era o calcanhar. Durante muito tempo venceu várias batalhas mas caiu diante de Páris, quando este atirou uma flecha contra o calcanhar de Aquiles, tendo demonstrado desespero, e não conseguiu retirar a flecha até que perdeu a vida. A partir deste facto, surge a expressão bastante vulgar e de origem popular “o calcanhar de Aquiles” sempre que se estiver perante uma dificuldade. A partir do Mito de Aquiles depreende-se também que por mais forte que seja a pessoa, há sempre uma fragilidade (calcanhar de Aquiles).

O Mito do Cavalo de Troia

O Cavalo de Troia é um dos principais símbolos da famosa guerra de Troia, usado como estratégia pelos gregos para derrotar os troianos. De acordo com o filme, o Cavalo de Troia era feito de madeira e totalmente oco por dentro. Os troianos aceitaram-no supostamente como “presente” dos gregos feitos para o deus do Mar, e levaram o cavalo para o interior das muralhas de Troia.
Todos os soldados beberam e comemoraram a rendição do inimigo e, quando todos estavam dormindo, centenas de soldados gregos saíram de dentro do cavalo e atacaram a cidade. Para ajudar a destruir os seus inimigos, os guerreiros liderados por Ulisses abriram os portões da cidade, possibilitando uma total invasão dos gregos em Troia, que foi totalmente destruída. Assim, o cavalo de troia funcionou como “isca” para facilitar a entrada dos gregos ao interior do poderoso império e posterior abertura do portão da muralha. Com efeito, o cavalo de troia passou mitologicamente a representar uma oferta maliciosa e/ou traiçoeira, razão por que proliferam expressões tais como, “és um cavalo de troia” referindo-se a alguém que se aproxima amigavelmente de si mas para lhe causar um mal a posterior.
A partir desta história surgiu a expressão popular presente de grego”, quando alguém está se referindo a algo que ganhou, mas que não será útil ou trará problemas. Ou seja, na actualidade, considera-se cavalo de troia um inimigo encoberto que se infiltra numa família ou instituição para lhe causar algum prejuízo.

Helena, a mulher mais linda da Grécia

De acordo com a mitologia grega, Helena de Troia seria a mulher mais bela da Grécia. Filha de Zeus e Leda, segundo algumas versões, ou Némesis e Zeus, de acordo com outras, Helena teria sido esposa do rei de Esparta, Menelau. Outras tradições defendiam que Helena era filha de Oceano e Afrodite. A beleza fatal de Helena seria a causa directa da Guerra de Troia. Helena de Troia tornou-se numa das mais ricas personagens da mitologia grega. A partir da história da Helena, percebe-se o mito da fragilidade do homem perante uma mulher, visto que, Páris tinha visitado a Grécia juntamente com Heitor por uma missão de paz, porém, foi agudizar os conflitos quem contrapunham os dois impérios devido à paixão só príncipe Pária pela esposa de Menelau e vice-versa. Este episódio encontra seu sustento na bíblia ao relacionar a maldição da mulher ao induzir o Homem a “comer do fruto proibido”.

A espada de troia

Quando Páris decide enfrentar Menelau, o rei de Troia ofereceu-lhe uma espada que herdou de seu pai (avô de Páris), que por sua vez tinha herdado do pai dele (avô de Príamo). Assim, esta espada percorreu gerações e gerações dos reis de Troia, desde a fundação do Império, ou seja, a história do povo troiana tinha sido escrita pela espada de troia. O rei recomendou ao filho que levasse a espada de troia para a batalha com Menelau, pois, o espírito (vencedor) de troia estava naquela espada, que só a empunhando é que os troianos teriam um futuro.
Em suma, neste filme, o mito desempenha uma função integradora, na medida em que é uma transcendência à experiência da história no tempo que coroe tudo é por isso que preserva valores o reforço da tradição ou a formação rápida de uma tradição capaz de controlar as arbitrariedades da conduta dos homens parece dominante do Mito. O Mito é uma lógica de conservação da sociedade, é um instrumento que evita mudanças e desagregação do grupo pela resolução imaginária do fundo invisível e tenso.

Crença em forças sobrenaturais

No filme em análise, são inequívocas as marcas tradicionais ligadas a crenças em forças supremas (deuses) que, em função da convicção e ideologia de cada povo, atribuem nomes. Príamo, o rei de Troia e pai de Heitor, querendo convencer o filho do poder do Apolo, deus Sol, conta oralmente o episódio da nascença e sobrevivência do Heitor:
Apolo cuida de nós, e mesmo Agamémnon não é pário para os deuses. Não menospreze os deuses! Quando você era muito novo teve escarlatina, a sua mãozinha ficou muito quente. O curandeiro disse que não passaria aquela noite. Eu fui até ao templo de Apolo e rezei até o sol aparecer (…) quando entrei nos aposentos de sua mãe e você estava dormindo nos braços dela, a febre havia cedido. Prometi naquele dia dedicar a minha vida aos deuses e não vou quebrar a minha promessa.

A partir deste trecho, Príamo pretende resolver a questão da insegurança revelada pelo filho em relação ao poder dos deuses. Entretanto, este (Príamo) não usa argumentos factuais, apenas recorre a episódios remotos para legitimar o poder dos deuses. 
Arqueptólemo, um dos sacerdotes de Troia, para confortar o rei, prenuncia uma vitória dos troianos com base em interpretação de um sinal de forças sobrenaturais: eu falei com dois fazendeiros hoje. Eles viram uma águia voando com uma serpente preza em suas garras. Com certeza é um sinal de Apolo. Teremos uma grande vitória amanhã. Porém, Heitor questiona esta crença, pois, segundo ele, não se devia planear uma guerra baseando-se e sinais de pássaros. Perante este comportamento, o rei repreende o Heitor, pois, o sacerdote já tinha profetizado a seca que afectara a Troia e, desta forma, tratava-se de um servo de deus que merecia respeito.
O receio e a descrença de Heitor em deuses é motivada pelo facto de Aquiles ter profanado a estátua do deus-sol (Apolo), cortando a cabeça com uma espada, mas que este (deus) não se defendeu. Significando que, os deuses não travariam a guerra pelo povo troiano.
Os troianos venceram na primeira batalha contra os gregos e, dessa forma, o alto Sacerdote voltou a pressagiar vitórias seguidas. O Sacerdote acreditou que a profanação do templo por Aquiles enfurecera os deuses que decidiram amaldiçoar os gregos. Perante este facto, apesar de ser contrariado por Heitor, o Rei de Troia acreditou no prenúncio do sacerdote e ordenou que se atacassem os gregos na manhã seguinte, e mais uma vez, os gregos foram derrotados.
Perante a simulação de desistência da guerra pelos gregos, tendo abandonado o local em que se tinham fixado, o Alto sacerdote explicou ao Rei Príamo que os corpos sem vida encontrados no local teriam sido amaldiçoados pelos deuses através da peste para com os gregos, pelo facto de terem profanado os deuses dos troianos. Ainda no local, o Sacerdote apela para o respeito com os deuses, pois, segundo ele o príncipe Heitor tinha profanado os deuses e, no dia seguinte a espada de Aquiles o cortou. Desta forma, os troianos demonstravam a sua crença em forças sobrenaturais. Todavia, a Troia foi derrotada na batalha final, tendo sido destruídos os templos e profanados os deuses. 

O provérbio como suporte da tradição oral

A existência dos provérbios tem origem muito mais remota, e só não é atestada antes porque não puderam ser arquivados, ou porque pertenciam a uma tradição oral. Sabe-se que faziam parte da filosofia dos gregos, romanos, egípcios, presentes tanto no ocidente, como no oriente, perpetuando-se na Idade Média e chegando até nós.
Provérbio é uma unidade léxica fraseológica fixa e, consagrada por determinada comunidade linguística, que recolhe experiências vivenciadas em comum e as formula como um enunciado conotativo, sucinto e completo, empregado com a função de ensinar, aconselhar, consolar, advertir, repreender, persuadir ou até mesmo praguejar (XATARA & SUCCI, 2008:3). Estes autores referem que os provérbios fazem parte do folclore de um povo, assim como as superstições, lendas e canções, pois são frutos das experiências desse um povo, representando verdadeiros monumentos orais transmitidos de geração em geração cuja autoridade está justamente nessa tradição, para seus destinatários tão anónimos quanto seus autores. Na construção do filme “Troia” existe uma panóplia de provérbios que são buscados para enaltecer certas ideologias, ou mesmo para defender certas concepções.
Os provérbios carregam consigo uma dose de beleza estética, podendo comportar-se como metáforas como se pode notar no discurso de Páris depois de ter passado a noite com a Helena, e diz ter passado a noite com a esposa do pescador (…) ele estava mais preocupado com os peixes. Ele serve-se da metáfora de pescador para se referir ao Menelau que naquela noite estava mais preocupado em se envolver “pescar” com outras mulheres “peixes”. Assim,
Para legitimar a necessidade de guerrear contra troianos, Agamémnon recorre a um advérbio paz é para mulheres e fracos, impérios são forjados pela guerra.
Ao aconselhar Aquiles, sobre as desavenças que teve com o rei Agamémnon, Ulisses recorre a um provérbio: a guerra é o jovem morrendo e o velho falando. Você sabe disso. Ignore a política.
Agamémnon, para demonstrar o seu poder e reclamar o protagonismo na primeira vitória do exército grego, recorre a um provérbio: a história se lembra dos reis e não dos soldados.
No duelo entre Heitor e Aquiles, o troiano pediu que o vencido tivesse direito a honras e rituais conforme a sua tradição, porém, Aquiles refutou essa proposta socorrendo-se de um provérbio: não há pactos entre leões. O uso de provérbios é uma técnica de expressão verbal que ajuda a esclarecer uma situação através de metáforas.
Aquando da montagem do cavalo de troia, Agamémnon elogia a iniciativa do Ulisses recorrendo a um provérbio, oh Ulisses encontrou o modo de fazer a ovelha convidar o lobo para o jantar!? Assim, alguns destes provérbios sobreviveram ao tempo e até aos dias de hoje são rebuscados para legitimar certas ideologias.

Os rituais gregos e troianos

O rito como conjunto de práticas que se concretizam no mundo do segredo é um caminho de crescimento humano; na maioria das culturas, está mesclado com elementos antropológicos e religiosos que marcam a sua importância. Nenhum povo, nenhuma cultura sobrevive sem ritos, sem elementos que possam unificar suas vidas, expressões e organização.
ROSÁRIO apud ARAÚJO (2010:36) defende que o rito cultural de tradição oral é o veículo fundamental de todos os valores quer educacionais, quer sociais, quer político-religiosos, quer económicos. Assim, os ritos culturais de tradição oral encontram-se vinculados às regras e às interdições para o bom funcionamento da comunidade, prevenindo-se as transgressões. Essas regras e interdições são formas conjuntas que variam segundo as culturas, demonstrando que os ritos culturais de tradição oral estão ligados ao quotidiano. Assim, no filme em análise, existe uma série de ritos que são realizados tanto pelos gregos, como pelos troianos, alguns dos quais sobrevivem até à actualidade.
Brindando/ celebração do acordo de paz entre Esparta e Troia, Menelau evoca os deuses, dizendo: que os desuses mantenham os lobos nas colinas e as mulheres em nossas casas! Para além do brinde, tanto os gregos como os troianos realizam das oferendas aos deuses como forma de pedir protecção, bem como agradecer e louvar a protecção dada por eles.  
Outro ritual realizado por estes povos é a incineração dos corpos dos guerreiros mortos, colocando duas moedas sobre os olhos. Para tanto, o funeral nos dois impérios dura doze (12) dias. É em função deste ritual que Príamo, pai de Heitor, foi implorar ao Aquiles que lhe desse o corpo do filho para que pudesse proceder às honras e rituais fúnebres.

Considerações finais

O filme “Troia” representa a epopeica e histórica guerra entre os gregos e troianos. Trata-se de uma guerra narrada na “Ilíada” de Homero. O filme aborda vários enigmas da mitologia grega e que prevalecem até à actualidade mas não se sabe ao certo terá havido esta guerra ou se se trata de um mito.
No filme foi possível notar algumas marcas da tradição oral, dentre as quais destacamos o mito de Aquiles, o mito do cavalo de troia, a mítica beleza da Helena que causou a guerra, a mítica espada troiana, os rituais realizados por ambos povos e o provérbio que se manifesta de forma recorrente na comunicação tanto dos gregos como dos troianos.
Estes mitos ficaram enraizados na memória do povo grego e do mundo, tal como afirma Aquiles no filme, o nome dele é lembrado até aos dias de hoje, mas a sua indestrutibilidade e imortalidade continuam um verdadeiro mito.

Referências bibliográficas

ARAÚJO, P. N.. Senhoras da fé: história de vida das rezadeiras do norte do Piauí. (dissertação de mestrado) Teresina, 2011.
BÁ HAMPATÉ, A. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph (Ed.) História Gerald a África, I: Metodologia e pré-história da África. 2ª Ed. Brasília, UNESCO, 2010.
BORGES, L. C.. Os Guarani Mbyá e a Oralidade Discursiva do Mito. In FERNANDES, F. A. G. Oralidade e Literatura: manifestações e abordagens no Brasil. Londrina, Eduel, 2013.
ELIADE, M.. Aspectos do Mito. Lisboa, Edições 70, 1963.
MARTINEZ, F. L.. Religiões Africanas Hoje: Introdução aos Estudos das Religiões Tradicionais Africanas. 2ª ed. Matola, Seminário Interdiocesano Santo Agostinho, 1997.
ROSÁRIO, L. J. da C.. A Narrativa Africana de Expressão Oral. Lisboa e Luanda, Co-ed., ICALP e Angolé, 1989.
XATARA, C. M. & SUCCI, T. M.. Revisitando o Conceito de Provérbio. São Paulo, Veredas, 2008.
                                                                                                                                                                                                                                                                                          

Sem comentários:

Enviar um comentário