Considerações iniciais
A tradição oral é uma das formas mais remotas de vida
do Homem. Todas as comunidades têm as suas raízes na tradição oral, tendo
posteriormente evoluído para a escrita, todavia, os valores desta tradição
ainda se fazem sentir na produção escrita contemporânea. Com o presente ensaio,
buscamos analisar os valores da tradição oral no filme “Troia”. Especificamente,
identificamos as marcas da tradição oral manifestos de diversas formas no
filme; explicamos em que consiste cada marca e que função desempenha e, por
fim, inferimos o estado dessa marca na actualidade.
Dentre várias manifestações da tradição oral, destacam-se
os mitos que perfazem o filme, os provérbios de que os guerreiros e os reis se
socorrem para impor suas visões e convicções, as crenças dos povos envolvidos
na guerra bem como os rituais por si cumpridos.
Concepção e natureza da tradição oral
No
último século, a discussão acerca da oralidade obteve um desenvolvimento
significativo. Tradição oral ou conhecimento oral é a cultura
material e tradição transmitida oralmente de uma geração para outra. As
mensagens ou testemunhos são verbalmente transmitidas em discurso ou canção e
podem tomar a forma, por exemplo, de contos, provérbios, baladas, canções ou
cânticos. Desta forma, é possível que uma sociedade possa transmitir a história oral,
literatura oral, a lei oral, e outros saberes
entre as gerações, sem um sistema de escrita.
Uma sociedade oral reconhece a fala não apenas como um
meio de comunicação diária, mas também como um meio de preservação da sabedoria
dos ancestrais, venerada no que poderíamos chamar elocuções-chave, isto é, a
tradição oral (ARAÚJO, 2010:15). Em conformidade com este autor, a tradição
oral pode ser definida como um testemunho transmitido verbalmente de uma
geração para outra. Desta forma, pode-se afirmar que a tradição oral compõe-se
de testemunhos transmitidos oralmente de geração em geração. O verbalismo é a
sua característica particular e maneira de transmissão, o qual difere das
fontes escritas.
HAMPATE
(2010:182) afirma que a partir da tradição oral definiram-se regras,
ideologias, costumes, a história, os valores da diversidade dos grupos locais. ROSÁRIO apud
ARAÚJO (2010:18) atesta que a tradição oral é o veículo fundamental de todos os valores, quer educacionais, quer
sociais, quer político-religosos, quer económicos, quer culturais, as
narrativas são a mais importante engrenagem na transmissão desses valores.
ELÍADE argumenta que, empiricamente, as populações
onde todas essas narrativas coexistem, estabelecem a sua distinção considerando
os mitos e lendas como histórias verdadeiras e os contos como histórias fictícias.
Assim, seriam verdadeiras todas as narrativas ligadas à origem do mundo, sendo
os seus heróis, seres sobrenaturais, seres divinos.
Para elucidar este facto, na primeira batalha entre o
exército troiano, comandado por Heitor o grego comandado por Aquiles, Heitor
anuncia um código que lhe comanda a vida toda: honrar aos deuses, amar a esposa e defender o país. Troia é a mãe de
todos nós. Lutem por ela. Este código é guardado na memória do Heitor, este,
por sua vez, transmite-o aos seus guerreiros de forma oral.
A maior guerra entre Grécia e Troia que é retratada
pelo filme tem a sua origem no amor, poder, honra e glória. Menelau vai para a
guerra por amor à Helena que lhe foi arrancada por Páris, o príncipe de troia. Agamémnon
vai para a guerra por causa do poder, pois, ele pretendia conquistar a Troia
passando a ser parte da Grécia e que estivesse sob seu controlo, como refere Agamémnon
no encontro com o príncipe Heitor: tenho
dois desejos, se os realizar, ninguém mais do seu povo precisa morrer: primeiro
precisa devolver Helena para o meu irmão. Segundo: Troia deve-se submeter ao
meu comando para lutar por mim quando eu chamar. Depois da proposta do
duelo entre Menelau e Páris, recusado por Agamémnon, Menelau pediu ao irmão que
o deixasse matar o “pavãozinho”, todavia Agamémnon replica: não vim aqui por causa da sua bela esposa.
Vim aqui por causa de Troia (poder). Com
efeito, Menelau insistiu, confirmando que fora a Troia por causa da honra dele
(vingar o sequestro da esposa). Esta
contradição em relação à motivação para a guerra contra a Troia prevalece até
aos dias hodiernos, porquanto esta guerra parece mais um mito e não se tem a
certeza de ter havido na realidade ou simples criação epopeica do povo grego.
Entretanto, Aquiles vai a guerra por uma questão de
honra e glória, porquanto a participação dele na guerra o tornaria num
guerreiro honrado e lembrado eternamente em todo o mundo. Desta forma, tomando
em consideração o facto de coexistirem no filme várias marcas da tradição oral,
julgamos importante trazer algumas delas, como a seguir apresentamos.
O sino e a trombeta como instrumentos de comunicação
Na
tradição dos povos, os sinos comunicam acontecimentos importantes aos membros
de Comunidades. A raiz da palavra sino provém do latim signu (sinal). Sinaliza e convoca para o culto, para a adoração e
para a gratidão por causa da graça de Deus. O som do sino penetra profundamente
nos ouvidos. Atinge a alma das pessoas. Por isso, não conseguimos ficar indiferentes
ao repicar sonoro do sino. No decorrer da história, o sino servia como
“mensageiro” da guerra, da paz, de boas e más notícias. Em algumas aldeias
assinalavam as horas no tempo em que não havia relógios.
Em
«Troia» o sino é usado para comunicar e/ou alertar ao império sobre a invasão
das suas terras pelo inimigo. Com efeito, quando os espartanos se instalam na
praia, os vigias tocam no sino para que todo o império fique informado e
colocar o exército em prontidão para defender as suas terras. E, com este
alerta, já conhecido pelos troianos, o exército preparou-se para defender as
muralhas do seu território.
A trombeta é um instrumento musical de vento e um
membro da família do metal. É um instrumento que, por seu poder e som brilhante
se destaca em uma orquestra e é instrumento de vento conhecido em todo o mundo.
As trombetas são conhecidas desde os tempos antigos na Grécia e Roma. Enquanto
os troianos usavam o sino para anunciar a invasão pelos inimigo e a necessidade
de se ir à batalha, os gregos, fixados na praia troiana, usavam trombeta para
despertar os guerreiros para o combate. Em conclusão, tanto os gregos como os
troianos buscaram no sino e na trombeta instrumentos de comunicação ou
“mensageiros” da guerra e/ou invasão pelos inimigos. Estes dois instrumentos
são indicadores da tradição oral. Nos dias que correm, o sino e a trombeta
continuam sendo usadas como mensageiros de festas, cultos religiosos, mortes,
etc..
A mitologia em “Troia”
Segundo
MARTINEZ (1997:135) a palavra Mito deriva de mythos com significado de
palavra ou afirmação. Os mitos tentam explicar costumes e rituais de uma
determinada sociedade, além de fornecer explicações, justificam o modo de vida,
a forma de entender a realidade e de saber sobre o início da humanidade,
(ARAÚJO, 2010:28). Para tanto,
durante muito tempo, os povos serviram-se de mitos para explicar o seu modus
vivendi e legitimar algumas crenças e rituais. Para elucidar este facto, a
partir da guerra entre gregos e troianos, surge uma expressão e/ou fraseologia
bastante conhecida: agradar
a gregos e troianos que significa o desejo em agradar todo
mundo, mesmo aos grupos ou pessoas com ideias divergentes.
Esta fraseologia foi sendo transmitida de geração em geração tendo percorrido
vários séculos até à actualidade.
Na mesma linha de pensamento, FRAZER
apud ABBAGNANO (1982:645) afirma que
o Mito é justificação retrospectiva dos elementos fundamentais que
constituem a cultura de um grupo, por isso, ela não é narrativa qualquer que
tenha talvez uma forma de ciência, um ramo de arte ou de história, é sim uma
história explicativa. ELIADE (1978:11) corroborando com FRAZER refere que o
Mito é uma história sagrada que relata acontecimentos ocorridos no tempo
primordial. Assim, o filme “Troia” congrega uma vastidão de mitos ligados à
Grécia, desde o mito do guerreiro imortal e indestrutível, que é Aquiles; o
mito do cavalo de troia, construção enganosa criada pelos gregos para lhes
permitir a entrada, de uma forma disfarçada, à Troia; bem como o mito da mulher
mais linda da Grécia que teria motivado a realização desta grande guerra entre
os dois reinos; e, por fim, o mito da espada da troia, instrumento de guerra
que foi passando de rei em rei de Troia até a Páris.
O mito é o espelhamento discursivo que reflete/refrata
o imaginário e a ideologia de um povo. Com isto, pretende-se esclarecer que
toda realidade é atravessada pela linguagem que, num movimento simultâneo,
transparece e opacifica essa mesma realidade. Sendo, por sua vez, uma forma
discursiva que possibilita compreender o complexo cultural, histórico e
cognitivo de um povo, o mito medra no território da ideologia (BORGES,
2013:25).
Nesta ordem de ideia, ROCHA (1985) acrescenta que o mito é, pois, capaz de
revelar o pensamento de uma sociedade, a sua concepção da existência e das
relações que os homens devem manter entre si e com o mundo que os cerca.
Deste modo, o mito insere-se numa formação discursiva determinada que, por sua
vez, o remete a uma formação ideológica, cuja historicidade se materializa na
prática discursiva dos povos “míticos”. Em suma, o mito se realiza como um
discurso sobre o real e como a territorialização do real (BORGES, 2013:26).
Por essa razão, BORGES (2013:27) defende que é no e
pelo mito que essas sociedades se instituem, uma vez que a narrativa mítica se
apresenta como a explicação de seu próprio existir e da existência do mundo. Ao
mesmo tempo, por meio do mito, é possível analisar o modo peculiar como as
sociedades de tradição oral recortam, tipificam, explicam e compreendem o seu
universo, bem como o modo pelo qual representam as relações que aí são
estabelecidas. Desta forma, passamos a apresentar alguns dos mitos que perfazem
o filem “Troia”.
O Mito de Aquiles, um guerreiro indestrutível
Aquiles era filho de Peleu, rei de Ftia, na Tessália,
e Tétis. Reza a mitologia grega que, para torná-lo imortal, sua mãe o cobriu
com ambrosia, mantendo-o sobre o fogo, depois o mergulhou no rio Estige, cujas
águas tornaram Aquiles invulnerável. Entretanto, ao submergi-lo no rio, a mãe
segurou o bebê pelo calcanhar, por esse motivo, essa parte de seu corpo se
manteve vulnerável. Ainda criança, Tétis confiou a educação do filho a Fênix,
que o ensinou a manejar armas e a lutar. Depois, o centauro Quirão foi o
responsável pela educação do jovem herói. Quirão alimentava Aquiles com as
entranhas de leões e javalis, assim, o jovem incorporava a força e a valentia
destes animais.
A bravura e coragem de Aquiles tornaram-no um mito
para o povo grego, não se sabendo se na verdade terá existido como um guerreiro
imortal ou não. A primeira batalha em que Aquiles defronta um gigante tessálio
a convite de Agamémnon, a criança enviada pelo rei para chamar Aquiles,
mostra-se espantada pela coragem e bravura deste, questionando: as histórias sobre você são reais? Dizem que sua mãe é uma deusa imortal! Dizem
que não pode ser morto! Em resposta, Aquiles retruque: então eu não usaria escudo. Entretanto, o menino replica: o tessálio com quem vais lutar é o maior homem que já vi, eu não lutaria
com ele. Aquiles responde por isso
que seu nome não será lembrado.
Como se pode notar, a transmissão da informação de
geração em geração tem a sua marca nas afirmações do menino ao questionar
usando o Sujeito Indeterminado “dizem que…” marca do apagamento do enunciador
e, assim se distinguem as narrativas da tradição oral. Não há menção do autor
das histórias sobre Aquiles, pois, o que nos remete à origem popular.
Aquiles foi um grande guerreiro mas tinha o seu “ponto
fraco” que era o calcanhar. Durante muito tempo venceu várias batalhas mas caiu
diante de Páris, quando este atirou uma flecha contra o calcanhar de Aquiles,
tendo demonstrado desespero, e não conseguiu retirar a flecha até que perdeu a
vida. A partir deste facto, surge a expressão bastante vulgar e de origem
popular “o calcanhar de Aquiles” sempre que se estiver perante uma dificuldade.
A partir do Mito de Aquiles depreende-se também que por mais forte que seja a
pessoa, há sempre uma fragilidade (calcanhar de Aquiles).
O Mito do Cavalo de Troia
O
Cavalo de Troia é um dos principais
símbolos da famosa guerra de Troia, usado como estratégia pelos gregos para derrotar os troianos.
De acordo com o filme, o Cavalo de Troia era feito de madeira e totalmente oco
por dentro. Os troianos aceitaram-no supostamente como “presente” dos gregos
feitos para o deus do Mar, e levaram o cavalo para o interior das muralhas de Troia.
Todos
os soldados beberam e comemoraram a rendição do inimigo e, quando todos estavam
dormindo, centenas de soldados gregos saíram de dentro do cavalo e atacaram a
cidade. Para ajudar a destruir os seus inimigos, os guerreiros liderados por Ulisses
abriram os portões da cidade, possibilitando uma total invasão dos gregos em Troia,
que foi totalmente destruída. Assim, o cavalo de troia funcionou como “isca”
para facilitar a entrada dos gregos ao interior do poderoso império e posterior
abertura do portão da muralha. Com efeito, o cavalo de troia passou
mitologicamente a representar uma oferta maliciosa e/ou traiçoeira, razão por
que proliferam expressões tais como, “és um cavalo de troia” referindo-se a
alguém que se aproxima amigavelmente de si mas para lhe causar um mal a posterior.
A
partir desta história surgiu a expressão popular “presente
de grego”, quando
alguém está se referindo a algo que ganhou, mas que não será útil ou trará
problemas. Ou seja, na actualidade, considera-se cavalo de troia um inimigo
encoberto que se infiltra numa família ou instituição para lhe causar algum
prejuízo.
Helena, a mulher mais linda da Grécia
De acordo com a mitologia grega, Helena de Troia seria a
mulher mais bela da Grécia. Filha de Zeus e Leda, segundo algumas versões, ou
Némesis e Zeus, de acordo com outras, Helena teria sido esposa do rei de
Esparta, Menelau. Outras tradições defendiam que Helena era filha de Oceano e
Afrodite. A beleza fatal de Helena seria a causa directa da Guerra de Troia.
Helena de Troia tornou-se numa das mais ricas personagens da mitologia grega. A
partir da história da Helena, percebe-se o mito da fragilidade do homem perante
uma mulher, visto que, Páris tinha visitado a Grécia juntamente com Heitor por
uma missão de paz, porém, foi agudizar os conflitos quem contrapunham os dois
impérios devido à paixão só príncipe Pária pela esposa de Menelau e vice-versa.
Este episódio encontra seu sustento na bíblia ao relacionar a maldição da
mulher ao induzir o Homem a “comer do fruto proibido”.
A espada de troia
Quando
Páris decide enfrentar Menelau, o rei de Troia ofereceu-lhe uma espada que
herdou de seu pai (avô de Páris), que por sua vez tinha herdado do pai dele
(avô de Príamo). Assim, esta espada percorreu gerações e gerações dos reis de
Troia, desde a fundação do Império, ou seja, a história do povo troiana tinha
sido escrita pela espada de troia. O rei recomendou ao filho que levasse a
espada de troia para a batalha com Menelau, pois, o espírito (vencedor) de
troia estava naquela espada, que só a empunhando é que os troianos teriam um
futuro.
Em suma, neste
filme, o mito desempenha uma função integradora, na medida em que
é uma transcendência à experiência da história no tempo que coroe tudo é por
isso que preserva valores o reforço da
tradição ou a formação rápida de uma tradição capaz de controlar as
arbitrariedades da conduta dos homens parece dominante do Mito. O Mito é
uma lógica de conservação da sociedade, é um instrumento que evita mudanças e
desagregação do grupo pela resolução imaginária do fundo invisível e tenso.
Crença em forças sobrenaturais
No
filme em análise, são inequívocas as marcas tradicionais ligadas a crenças em
forças supremas (deuses) que, em função da convicção e ideologia de cada povo,
atribuem nomes. Príamo, o rei de Troia e pai de Heitor, querendo convencer o
filho do poder do Apolo, deus Sol, conta oralmente o episódio da nascença e
sobrevivência do Heitor:
Apolo cuida de nós, e mesmo Agamémnon não é pário para os
deuses. Não menospreze os deuses! Quando você era muito novo teve escarlatina,
a sua mãozinha ficou muito quente. O curandeiro disse que não passaria aquela
noite. Eu fui até ao templo de Apolo e rezei até o sol aparecer (…) quando
entrei nos aposentos de sua mãe e você estava dormindo nos braços dela, a febre
havia cedido. Prometi naquele dia dedicar a minha vida aos deuses e não vou
quebrar a minha promessa.
A
partir deste trecho, Príamo pretende resolver a questão da insegurança revelada
pelo filho em relação ao poder dos deuses. Entretanto, este (Príamo) não usa
argumentos factuais, apenas recorre a episódios remotos para legitimar o poder
dos deuses.
Arqueptólemo,
um dos sacerdotes de Troia, para confortar o rei, prenuncia uma vitória dos
troianos com base em interpretação de um sinal de forças sobrenaturais: eu falei com dois fazendeiros hoje. Eles
viram uma águia voando com uma serpente preza em suas garras. Com certeza é um
sinal de Apolo. Teremos uma grande vitória amanhã. Porém, Heitor questiona
esta crença, pois, segundo ele, não se devia planear uma guerra baseando-se e
sinais de pássaros. Perante este comportamento, o rei repreende o Heitor, pois,
o sacerdote já tinha profetizado a seca que afectara a Troia e, desta forma,
tratava-se de um servo de deus que merecia respeito.
O
receio e a descrença de Heitor em deuses é motivada pelo facto de Aquiles ter
profanado a estátua do deus-sol (Apolo), cortando a cabeça com uma espada, mas
que este (deus) não se defendeu. Significando que, os deuses não travariam a
guerra pelo povo troiano.
Os
troianos venceram na primeira batalha contra os gregos e, dessa forma, o alto
Sacerdote voltou a pressagiar vitórias seguidas. O Sacerdote acreditou que a
profanação do templo por Aquiles enfurecera os deuses que decidiram amaldiçoar
os gregos. Perante este facto, apesar de ser contrariado por Heitor, o Rei de Troia
acreditou no prenúncio do sacerdote e ordenou que se atacassem os gregos na
manhã seguinte, e mais uma vez, os gregos foram derrotados.
Perante
a simulação de desistência da guerra pelos gregos, tendo abandonado o local em
que se tinham fixado, o Alto sacerdote explicou ao Rei Príamo que os corpos sem
vida encontrados no local teriam sido amaldiçoados pelos deuses através da
peste para com os gregos, pelo facto de terem profanado os deuses dos troianos.
Ainda no local, o Sacerdote apela para o respeito com os deuses, pois, segundo
ele o príncipe Heitor tinha profanado os
deuses e, no dia seguinte a espada de Aquiles o cortou. Desta forma, os
troianos demonstravam a sua crença em forças sobrenaturais. Todavia, a Troia
foi derrotada na batalha final, tendo sido destruídos os templos e profanados
os deuses.
O provérbio como suporte da tradição oral
A existência dos provérbios tem origem muito mais
remota, e só não é atestada antes porque não puderam ser arquivados, ou porque
pertenciam a uma tradição oral. Sabe-se que faziam parte da filosofia dos
gregos, romanos, egípcios, presentes tanto no ocidente, como no oriente,
perpetuando-se na Idade Média e chegando até nós.
Provérbio é uma unidade léxica fraseológica fixa e,
consagrada por determinada comunidade linguística, que recolhe experiências
vivenciadas em comum e as formula como um enunciado conotativo, sucinto e
completo, empregado com a função de ensinar, aconselhar, consolar, advertir,
repreender, persuadir ou até mesmo praguejar (XATARA & SUCCI, 2008:3). Estes
autores referem que os provérbios fazem parte do folclore de um povo, assim como
as superstições, lendas e canções, pois são frutos das experiências desse um
povo, representando verdadeiros monumentos orais transmitidos de geração em
geração cuja autoridade está justamente nessa tradição, para seus destinatários
tão anónimos quanto seus autores. Na construção do filme “Troia” existe uma
panóplia de provérbios que são buscados para enaltecer certas ideologias, ou
mesmo para defender certas concepções.
Os provérbios carregam consigo uma dose de beleza
estética, podendo comportar-se como metáforas como se pode notar no discurso de
Páris depois de ter
passado a noite com a Helena, e diz ter
passado a noite com a esposa do pescador (…) ele estava mais preocupado com os
peixes. Ele serve-se da metáfora de pescador para se referir ao Menelau que
naquela noite estava mais preocupado em se envolver “pescar” com outras
mulheres “peixes”. Assim,
Para legitimar a
necessidade de guerrear contra troianos, Agamémnon recorre a um advérbio paz é para mulheres e fracos, impérios são
forjados pela guerra.
Ao aconselhar
Aquiles, sobre as desavenças que teve com o rei Agamémnon, Ulisses recorre a um
provérbio: a guerra é o jovem morrendo e
o velho falando. Você sabe disso. Ignore a política.
Agamémnon, para
demonstrar o seu poder e reclamar o protagonismo na primeira vitória do exército
grego, recorre a um provérbio: a história
se lembra dos reis e não dos soldados.
No duelo entre
Heitor e Aquiles, o troiano pediu que o vencido tivesse direito a honras e
rituais conforme a sua tradição, porém, Aquiles refutou essa proposta
socorrendo-se de um provérbio: não há
pactos entre leões. O uso de
provérbios é uma técnica de expressão verbal que ajuda a esclarecer uma
situação através de metáforas.
Aquando da montagem
do cavalo de troia, Agamémnon elogia a iniciativa do Ulisses recorrendo a um
provérbio, oh Ulisses encontrou o modo de
fazer a ovelha convidar o lobo para o jantar!? Assim, alguns destes
provérbios sobreviveram ao tempo e até aos dias de hoje são rebuscados para
legitimar certas ideologias.
Os rituais gregos e troianos
O rito como conjunto de práticas que se concretizam no
mundo do segredo é um caminho de crescimento humano; na maioria das culturas,
está mesclado com elementos antropológicos e religiosos que marcam a sua importância.
Nenhum povo, nenhuma cultura sobrevive sem ritos, sem elementos que possam unificar
suas vidas, expressões e organização.
ROSÁRIO apud
ARAÚJO (2010:36) defende que o rito
cultural de tradição oral é o veículo fundamental de todos os valores quer educacionais,
quer sociais, quer político-religiosos, quer económicos. Assim, os ritos
culturais de tradição oral encontram-se vinculados às regras e às interdições
para o bom funcionamento da comunidade, prevenindo-se as transgressões. Essas
regras e interdições são formas conjuntas que variam segundo as culturas,
demonstrando que os ritos culturais de tradição oral estão ligados ao
quotidiano. Assim, no filme em análise, existe uma série de ritos que são
realizados tanto pelos gregos, como pelos troianos, alguns dos quais sobrevivem
até à actualidade.
Brindando/ celebração do acordo de paz entre Esparta e
Troia, Menelau evoca os deuses, dizendo: que
os desuses mantenham os lobos nas colinas e as mulheres em nossas casas!
Para além do brinde, tanto os gregos como os troianos realizam das oferendas
aos deuses como forma de pedir protecção, bem como agradecer e louvar a
protecção dada por eles.
Outro ritual realizado por estes povos é a incineração
dos corpos dos guerreiros mortos, colocando duas moedas sobre os olhos. Para tanto,
o funeral nos dois impérios dura doze (12) dias. É em função deste ritual que
Príamo, pai de Heitor, foi implorar ao Aquiles que lhe desse o corpo do filho
para que pudesse proceder às honras e rituais fúnebres.
Considerações finais
O
filme “Troia” representa a epopeica e histórica guerra entre os gregos e
troianos. Trata-se de uma guerra narrada na “Ilíada” de Homero. O filme aborda
vários enigmas da mitologia grega e que prevalecem até à actualidade mas não se
sabe ao certo terá havido esta guerra ou se se trata de um mito.
No
filme foi possível notar algumas marcas da tradição oral, dentre as quais
destacamos o mito de Aquiles, o mito do cavalo de troia, a mítica beleza da
Helena que causou a guerra, a mítica espada troiana, os rituais realizados por
ambos povos e o provérbio que se manifesta de forma recorrente na comunicação
tanto dos gregos como dos troianos.
Estes
mitos ficaram enraizados na memória do povo grego e do mundo, tal como afirma
Aquiles no filme, o nome dele é lembrado até aos dias de hoje, mas a sua
indestrutibilidade e imortalidade continuam um verdadeiro mito.
Referências bibliográficas
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XATARA, C. M. & SUCCI, T. M.. Revisitando o Conceito de Provérbio. São Paulo, Veredas, 2008.
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