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quinta-feira, 16 de março de 2017

Os inconvenientes da prova de escolha múltipla no ensino das línguas.



As provas de escolha múltipla são o modelo de avaliação escrita adoptado pelo Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano para aferir o grau de assimilação da matéria por parte dos alunos, no fim de uma unidade didáctica (AS) e/ ou de um trimestre (APT). Trata-se de uma modalidade de avaliação que não colhe consenso a nível dos professores, uma vez que alguns a consideram mais objectiva e que facilita o processo de correcção e reduz a arbitrariedade na atribuição da nota ao aluno por parte do professor.
Como educadores, julgamos importante contribuir para uma reflexão mais aprofundada sobre este assunto. Como professore de língua, a nosso ver, este modelo não é adequado para as línguas, visto que não permite aferir o grau de assimilação das matérias e consequente desenvolvimento das competências linguísticas necessárias. Assim, comecemos por discutir o conceito de avaliação.

A avaliação da aprendizagem
O conceito “avaliação da aprendizagem” na arena educativa surge no século XX, década de 30, introduzido pelo educador norte-americano, Ralph Tyler, ao se mostrar preocupado com a questão da eficiência da educação que tornava a avaliação baseada unicamente em provas e exames. Tyler introduz o novo conceito, recomendando a necessidade de se cotejar cada instrumento de avaliação que for proposto com os objectivos que se têm em mira e ver se aquele utiliza situações capazes de evocar a espécie de comportamento que se deseja como objectivo educacional, (TYLER, 1981:166). Com efeito, a contribuição tyleriana espevitou vários educadores que, posteriormente, trouxeram suas reflexões sobre a avaliação, concebendo-a como uma prática dinâmica onde o professor e os alunos assumem o seu papel, de modo co-participativo, através da implementação do diálogo e da interacção respeitosa, comprometendo-se com a construção do conhecimento, (SORDI, 1995) e, ainda como um conjunto de acções provocativas do professor que desafiam o aluno a reflectir sobre as experiências vividas, a formular e reformular hipóteses, direccionando para um saber enriquecido, (HOFFMANN, 1993).
A avaliação, no seu quadro teórico, é um processo de negociação entre o professor e aluno na construção e aprimoramento do saber e, ancorados na teoria luckesiana, podemos afirmar que a avaliação é um acto não impositivo, mas sim um acto dialógico, amoroso e construtivo, (LUCKESI, 2000:08).
A avaliação deve ser analisada e concebida em função de várias abordagens que se relacionam estritamente com as finalidades do processo, com efeito, julgamos prudente discutir as diversas abordagens da avaliação passíveis de se realizar na sala de aulas. A avaliação pode tomar várias formas ou funções, que designaremos de abordagem, neste artigo, nomeadamente: abordagem diagnóstica, abordagem sumativa e a abordagem formativa.
·         A avaliação diagnóstica é realizada no início de um curso, período lectivo ou unidade de ensino, com a intenção de constatar se os alunos apresentam ou não o domínio dos pré–requisitos necessários e imprescindíveis para as novas aprendizagens. É também utilizada para caracterizar eventuais problemas de aprendizagem e identificar suas possíveis causas, numa tentativa de saná-los, (HAYDT, 1988:16). Portanto, cabe ao educador, no início de cada unidade didáctica ou ano lectivo, procurar respostas das questões tais como: Quem são os meus alunos? Que conhecimentos possuem? Que limitações apresentam? Que necessidades têm? Em função das respostas, o professor reflectirá sobre que conteúdos a leccionar e que procedimentos a seguir;
·         A avaliação formativa acontece durante o processo de ensino, com a função de repensar o ensino, pensar em outra proposta para o aluno aprender. É principalmente através da avaliação formativa que o aluno conhece seus erros e acertos e encontra estímulo para um estudo sistemático, (HAYDT, 1988:17). Entre suas principais funções estão, as de tranquilizar, apoiar, orientar, reforçar, corrigir, etc., é uma avaliação incorporada no acto do ensino e integrada na acção de formação, (RABELO, 1998:73).
·       A avaliação sumativa, com função classificatória, realiza-se ao final de um curso, período lectivo ou unidade de ensino, e consiste em classificar os alunos de acordo com níveis de aproveitamento previamente estabelecidos, geralmente tendo em vista sua promoção de uma série para outra, ou de um grau para outro, (HAYDT, 1988:18). Esta modalidade avaliativa é, na esteira de LUCKESI (2011), avaliação de certificação, na qual se avalia um objecto já configurado e concluído, inserindo-se na qualificação do objecto.
É nesta última abordagem de avaliação em que se enquadra o modelo de escolha múltipla.

Provas de escolha múltipla
As provas de escolha múltipla são avaliações formadas por vários tipos, nomeadamente, perguntas de escolha múltipla com 3 a 5 opções, às vezes mais; perguntas de escolha múltipla emparelhada; perguntas de escolha dupla verdadeiro-falso; perguntas de completação de palavras (PINTO, 2001). Para CNECE (2008:10) uma pergunta de escolha múltipla é uma afirmação incompleta seguida por uma lista de respostas possíveis de entre as quais o estudante tem de escolher uma.
As provas aplicadas no II Ciclo do Ensino Secundário Geral em Moçambique adoptam o formato de perguntas de escolha múltipla com quatro opções constituídas por um enunciado, normalmente em forma de pergunta, seguido por quatro alternativas, assinaladas pelas letras A, B, C, e D, uma em cada linha numa distribuição vertical. Uma das alternativas é correcta, que deve ser identificada e assinalada pelo aluno, e as restantes alternativas são falsas e designam-se por distractores, na medida em que distraem o estudante, afastando-o da resposta correcta.
Trata-se de uma modalidade de avaliação sumativa adoptada pelo Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano, através do Manual de Testes de Escolhas Múltiplas e Exercícios elaborado pelo CNECE (2008), sendo que as escolas abrangidas ao nível nacional passaram a implementar esta recomendação do MEC no processo avaliativo com o propósito de melhorar a qualidade de ensino através de adopção de estratégias de avaliação objectiva. Obviamente, as provas de escolha múltiplas são mais objectivas. Entretanto, a sua objectividade reside apenas no acto de correcção, entretanto, acarretam vários prejuízos se analisarmos a avaliação das aprendizagens como um processo e não um fim, ao invés das provas formadas por perguntas de desenvolvimento que são constituídas por um enunciado, sob a forma de pergunta ou afirmação, onde o aluno é solicitado a responder por escrito evocando conhecimentos, e procedendo em maior ou menor grau a uma análise, descrição, explicação, comentário e síntese de um conteúdo, tópico ou área do saber escolar.
Primeiro, o processo de elaboração de provas de escolha múltipla é longo, laborioso, requer conhecimentos, experiência, bastante imaginação, revisões frequentes e o parecer e ajuda de colegas da mesma área de especialidade (PINTO, 2001). Uma pergunta de escolha múltipla considerada muito boa e imaginativa por um professor, pode-se revelar deficiente, quando submetida à apreciação de um colega, devido a ambiguidades e presença implícita de pistas orientadoras.
Segundo, BLOOM et al (1956) sugeriu seis níveis de avaliação de conteúdos escolares a nível cognitivo que poderiam ser representativos de processos de pensamento mais elevados:
·      Conhecimento – recordação e evocação de informação previamente aprendida em termos de factos, conceitos, princípios, teorias e procedimentos;
·     Compreensão – capacidade para captar o significado da informação e saber interpretá-la e traduzi-la em várias modalidades;
·    Aplicação – capacidade para usar a informação escolar num novo contexto, empregando conceitos e princípios em situações novas;
·    Análise – capacidade para dividir a informação complexa nas suas partes, analisar a relação entre as partes e o modo como formam um todo, assim como os princípios envolvidos ou erros subjacentes;
·       Síntese – capacidade para formar e criar uma estrutura nova ou um todo a partir dos elementos constitutivos;
·       Avaliação – capacidade para avaliar e julgar a informação e os acontecimentos em relação a uma norma.
Esta classificação dos objectivos (“taxionomia” segundo BLOMM, 1956) remete-nos a uma profunda reflexão, uma vez que, os primeiros quatro objectivos de natureza cognitiva só se podem alcançar facilmente através de perguntas de escolha múltipla no formato Verdadeiro/ Falso ou emparelhamento. O alcance dos dois últimos passa necessariamente pela aplicação obrigatória de perguntas de desenvolvimento (GRONLUND,1988). Outrossim, a escolha da resposta correcta neste modelo de perguntas não se baseia necessariamente no raciocínio, uma vez que se desconhecem os processos mentais envolvidos na escolha da resposta apontada pelo aluno.
O modelo de perguntas de escolha múltipla enquadra-se perfeitamente na perspectiva behaviorista da aprendizagem, uma vez que esta teoria preocupa-se mais com o comportamento observável, que no caso vertente se manifestará através do “bom desempenho” na prova, relegando a expressão do processo de operações pensamento.
Terceiro, tomando em consideração as habilidades que se pretendem desenvolver com o ensino de línguas, nomeadamente oralidade, leitura, gramática e escrita, o prova de escolha múltipla facilita a avaliação da componente leitura (no sentido de interpretação e compreensão textual) bem como a gramática (do ponto de vista de identificação de frases (a)gramaticais) em que o aluno poderá recorrer à memória e pela experiência de ter lidado com frases idênticas em outras avaliações. Todavia, as perguntas de escolha múltipla não permitem aferir o nível de conhecimento sobre o domínio da escrita e da oralidade, e muito menos funcionam como mecanismos de verificação do desenvolvimentos de competências linguísticas que permitam ao aluno (i) usar a língua de forma interactiva, isto é, saber utilizar a língua, os símbolos e textos em várias situações da vida de modo a ter uma participação activa e reflexiva em contextos múltiplos; (ii)comunicar-se com os outros, oralmente e por escrito, em vários contextos relevantes da vida, tais como a família, escola, comunidade e emprego; (ii) produzir textos orais e escritos de natureza diversa de forma lógica, estruturada, criativa e espontânea.
Diante destes pressupostos, julgamos inapropriadas as provas de escolha múltipla como modelo de avaliação escrita no Ensino Secundário Geral do II Ciclo.
 

Referências bibliográficas
CNECE. Testes de Escolhas Múltiplas Manual e Exercícios. Maputo, Alpha Plus, 2008.
COMENIUS, J. A.. Didáctica Magna. São Paulo, Martin Fontes, 2002.
Gronlund, N. E.. How to construct achievement tests. 4ª Ed., Englewood Cliffs, NJ, Prentice-Hall, 1988.
HAYDT, R. C. C.. Avaliação do processo ensino-aprendizagem. São Paulo, Ática, 1988.
HOFFMANN, J.. Avaliação Mediadora: uma prática em construção da pré-escola à Universidade. 8ª. Ed., Porto Alegre, Mediação, 1996.
LUCKESI, C. C.. O Que é Mesmo o Acto de Avaliar a Aprendizagem?. Rio Grande do Sul, Pátio, 2000.
PERRENOUD, P.. Avaliação: da Excelência à Regulação das Aprendizagens. Porto Alegre, Artmed, 1999.
PINTO, A. C. Factores relevantes na avaliação escolar por perguntas de escolha múltipla. FCPE, Porto, 2001.
RABELO, E. H.. Avaliação: novos tempos e novas práticas. Petrópolis, RJ: Vozes,
1998.
TYLER, R.. Princípios Básicos de Currículo e Ensino. Porto Alegre, Globo, 1981.


2 comentários:

  1. A sua conclusão foram minhas palavras quando meu colega de Física disse, ontem, que era rápido nas correções porque seus testes são de múltipla escolha. Na verdade, no ensino de línguas, há que sempre capitalizar de forma harmoniosa as habilidades de leitura, escrita, oralidade e gramática sendo assim impossível hospeda - los em uma avaliação do tipo "sistematica" se na verdade for de acompanhamento. Concordo em pleno.

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