Publicação em destaque

Apaixonadiços

terça-feira, 14 de março de 2017

Xihlamaliso, o Menino Mimado


 
Não se sabe se é por obra de destino ou se se trata de uma oferta divina a pais que tanto desejaram dar à luz um filho mas a sorte não passeava próximo deles durante muitos anos de casamento. Finalmente, veio, pois, o verão quentinho trazendo consigo um menino no ventre da Sr. Manchasi, era o renascer de uma vontade que se já havia desapontado com os mistérios da vida.
O Inverno veio concretizar o sonho esperado, dona Mantchasi deu à luz um menino a quem atribuiu o nome de Xihlamaliso¹ que significa o estado de espírito em que se encontrava pela realização do seu sonho numa altura inesperada, porque já visitava a casa dos quarenta anos de idade. O recém-nado, infelizmente, era deficiente físico, com o braço esquerdo atrofiado e alguns dedos da mão direita também atrofiados, mas isto não implicou a decepção para este casal, que começava uma fase nova na sua vida conjugal.
Apesar de imensas dificuldades financeiras pelas quais passavam, eles criaram o filho com carinho e delicadeza. Quando completou os cinco anos de idade, Xihlamaliso foi matriculado numa escola para frequentar o ensino geral. E, ali começa a dramatização da vida do miúdo.
Xihlamaliso sofria injúrias e piadas na escola por parte de alguns alunos bem-sucedidos na vida, que o consideravam inválido e inútil. Quando apresentasse a queixa ao professor, este, pura e simplesmente não tomava atitudes necessárias daí que as injúrias não paravam de apoquentar o menino.
A paciência do menino ainda estava em dia e, não obstante as dificuldades, ele frequentou o ensino primário com êxito e ingressou no ensino do segundo grau. Já na 6ª classe, Xihlamaliso não mais sofria injúrias, mas ele perdeu a auto-estima e passou a ter vergonha do seu estado. Passava muito tempo sozinho e taciturno, aborrecido e acompanhado pela mágoa no seu convívio com a tristeza.
Dias depois, o menino começou a faltar às aulas. Tendo a idade das suas unhas, já apreciava algumas rapariguetas. Estas zombavam do estado dele. Chamavam-lhe nomes que não confortavam a alma já suja de injúrias. Ele saía de casa mas não chegava à escola. O mesmo comportamento se registava em casa, não conversava com ninguém, limitava-se a ficar trancado no quarto. Este comportamento preocupou os pais que chegaram a conversar com o filho para perceber o que estava a acontecer mas, Xihlamaliso não respondia com proeza. A sua vida continuava sendo restrita para si. Os pais esforçaram-se tanto para convencê-lo a ir
Se, carinhosamente, este não aceitava ir à escola e não aceitava fazer trabalhos domésticos, os pais sentiram-se obrigados a ser um pouco severos e, com esta severidade, o menino decidiu evadir-se da casa. Foi-se juntar aos já reconhecidos artistas da esmola. Quero dizer que se ajuntou a um grupo de meninos de rua que viviam fora de casa, havia muito tempo, alegando maus tratos perpetrados pelos pais. A rua passou a ser o jardim de Édem para o Xilhamaliso. Logo à entrada triunfal para a nova vida, ouve-se voz receptiva:
- Uku yini mupfô? ² - Esta era a recepção feita pelos meninos de rua que o viam passar.
- Venha aqui amigo. Pode dar-me uns 5Meticais ai? – Chamaram-no para fazer parte do grupo motivados pela deficiência que ele tinha, pois seria elemento comovente para a arrecadação da melhor renda.
Desta forma, Xihlamaliso passava a viver na rua, vivendo de migalhas adquiridas na pontual e mais venerada actividade de esmola. Os pés do menino rubricavam sobre o asfalto de todas as avenidas da cidade de Maputo sem destino, mas com o propósito de criar condições para a sobrevivência. Na rua há mais sobrevivência do que outra coisa. Quem vai à rua, cria uma avenida na cabeça. Uma avenida por que passam todas a intempéries deste mundo. Até o mosquito que é mais fraco do que devia, ganha espaço para se afirmar como grande desestabilizador da paz. O mosquito é um amigo hospitaleiro para os meninos de rua. Ele escolteia-os durante o dia e, à noite cobra a factura.
A picada do mosquito era tão dolorosa quanto à preocupação dos pais do miúdo, que começaram a procurá-lo pelos hospitais, mercados, esquadras de Polícia e em todos os cantos do mundo mas, não o encontravam. Voltaram a viver circundados de mágoa e alimentados pela tristeza, ambientados pela amargura da vida que lhes causava tanta dor. A dor quando não encontra a foz, nem sombra, é tão agressiva de tal modo que nos retira a fome, a sede, a esperança e pior, a dor nos pode retirar a vida. A dor é um bom educador para os desobedientes, mas péssimo consolador para quem não se lhe obedece.
A vida na rua não era fácil para o Xihlamaliso, todos batalhavam durante o dia, mas à hora das refeições só os mais espertos é que se alimentavam bem, os mais fracos sofriam. Havia os Maguindzas³ que apareciam simplesmente para agredir os menininhos e assaltar o pouco que estes conseguiam na sua caçada. A falta do banho associada a muitas noites ao relento, coberto de cacimba fizera com que Xihlamaliso ficasse frequentemente doente. Sofreu tantas agressões porque era o mais fraco do conjunto e não conseguia defender-se.
Este sofrimento fez com que Xihlamaliso pensasse em voltar para casa, junto dos pais porque a vida era relativamente melhor, entretanto tinha a consciência da mágoa que causara a seus pais. Tomou a mesma coragem que o ajudou a frequentar o ensino primário mesmo que injuriado, cruzou as mãos sobre a nuca, duas lágrimas escorreram no seu rosto, a uma velocidade de um rio que procura o mar para desaguar. A passo de camaleão voltou para casa. Ao chegar à entrada, como um cão vadio, encolheu os braços e apertou-os sobre o peito e entrou cabisbaixo com o queixo a roçar o peito. Os pais, completamente surpresos com o reaparecimento do filho único, arrebentaram o céu de alegria, receberam-no com euforia e fizeram um banquete para comemorar o regresso do filho para casa. Mas o menino de rua, mesmo em casa, continuava de rua, quis dizer, a casa para ele não diferia da rua. Mas uma rua com tecto. O comportamento era ainda aquele de luta pela sobrevivência. Na rua aprendeu novos horários para as refeições. Mas que horários?! Na rua toda hora é para comer. Comer não só o Xikhafu, come-se porrada, comem-se insultos. Na rua, para comer não precisa de ter apetite. Não há escolha. Come-se o que aparecer. Pão com badjia. Por vezes badjia com pão. Mas já em casa, tem que voltar aos caris. Não foi fácil deseducar o filho destas práticas e torná-lo racional de novo. Mas não há bem que perdure e mal que não acabe.  
Para a surpresa dos pais, o menino manifestou o interesse de voltar a frequentar a escola e fê-lo com sucesso, depois de concluir o ensino secundário e posteriormente o ensino pré-universitário, foi-lhe oferecida uma bolsa de estudo para os Estado Unidos da América onde frequentaria o curso de Medicina. Este foi mais um motivo para o desespero da Sra. Mantchassi porque mais uma vez separar-se-ia do seu filho primogénito e, deviam reaprendem a viver longe do tão querido filho.
Durante a formação, a sua mãe, Sra. Mantchasse, vivia momentos de tanta melancolia e desgosto. Já no último ano do curso, Xihlamaliso recebeu a informação de que o seu pai, Sr. Maposse, tinha tuberculose e corria grandes riscos de perder a vida. Não tinha condições para fazer os devidos tratamentos. Sem vagares, o menino enviou a partir dos Estados Unidos, um kit de medicamentos e as respectivas instruções de critérios para a medicação. Aconselhou-o a fazer consultas ao médico Bento que era seu grande amigo, pois, este o faria sem cobrar algo em troca.
Finda a formação, Xihlamaliso regressou à terra natal e encontrou o pai saudável. Ao entrar em sua casa, Xihlamaliso, já médico, com uma bata branca, óculos, uma maleta assegurada na mão direita, acompanhado por amigos vindos da América, disse aos pais:
- Pai, mãe! Aprendi que o bom filho sempre volta à casa, mas o melhor nunca sai. Eu não saí, apenas aventurei para o futuro. O meu futuro ainda está por vir. Aventurei para a rua. Lá não encontrei o meu futuro. Aventurei para as Américas. Lá obtive algumas pistas do meu futuro. Afinal o meu futuro está aqui mesmo em casa. O meu futuro foi traçado por Deus. Eu vim muito tarde ao mundo. Vim simplesmente para devolver a vida, a esperança, a alegria aos meus pais. Por isso sempre que estivessem satisfeitos, o futuro me enxotava para longe deles. Mas quando angustiados, o futuro devolvia-me para junto deles.
E assim foi recebido com entusiasmo pelos pais, amigos, vizinhos e todos que o viram enfrentar enormes dificuldades na vida para alcançar um futuro próspero.

1.Xihlamaliso em Xichangana significa algo espantoso, surpresa.
2. Uku yini mupfô – Xichangana- como estás irmão?/ que dizes irmão?
3. Maguindzas – ladrões, matulões assaltantes.

Sem comentários:

Enviar um comentário